quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Penas privativas de liberdade


1. INTRODUÇÃO

Antigamente, a prisão, principal resposta no campo penal, era vista como um meio apto a produzir
uma reforma do criminoso, reabilitando-o para a vida em sociedade. Com o tempo, percebeu-se que
tal entendimento era uma falácia, chegando-se mesmo a acreditar ser quase impossível a ressocialização
pela pena privativa de liberdade. Daí a procura por meios alternativos para substituir tal espécie
de pena, pelo menos a de curta duração, pois, como aponta Cezar Bitencourt, se o criminoso é
habitual, ela será ineficaz; se ocasional, ela excederá o necessário.
O CP, com as Leis ns. 7209/84 e 9714/98, seguindo uma política criminal liberal, contempla a pena
privativa de liberdade e também alternativas a ela, como as restritivas de direito e a de multa, além do
sursis – neste sentido, apenas quando não for possível a aplicação dos demais institutos é que deverá
prevalecer a prisão, como última resposta

2. RECLUSÃO E DETENÇÃO

A Reforma Penal de 84 manteve a distinção, cada vez mais tênue, entre reclusão e detenção. No
caso, as penas privativas de liberdade foram tratadas como gênero, sendo espécies a reclusão e
detenção como espécies. Apesar de ter havido significativa redução de distinções formais entre pena
de reclusão e detenção, a doutrina aponta algumas diferenças entre elas:
– Regime inicial de cumprimento– apenas os crimes punidos com reclusão - crimes mais graves,
em tese – poderão ter o início de cumprimento de pena em regime fechado, o que não se dá
com a detenção. No caso, o regime inicial de cumprimento, na reclusão, pode ser fechado, semi-
aberto ou aberto. Na detenção, o regime inicial é o semi-aberto ou o aberto. A detenção só
poderá ser cumprida em regime fechado se houver a regressão;
– limitação na concessão de fiança ! a autoridade policial poderá conceder fiança apenas nas
infrações punidas com detenção ou prisão simples (art. 322, CPP), pois se punidas com reclusão,
ficará a cargo do juiz apenas;
– espécies de medidas de segurança ! se o delito for apenado com reclusão, a medida de segurança
será a detentiva; se apenado com detenção, a medida poderá ser convertida em tratamento
ambulatorial (art. 97, CP);
– incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela ! tratando-se de crime punido
com reclusão, cometido por pai, tutor ou curado contra os respectivos filhos, tutelados ou curatelados,
haverá mencionada incapacidade; tratando-se de crime apenado com detenção, não
haverá tal conseqüência, o que não impede de ser buscada em ação própria no juízo cível;
– prioridade na ordem de execução ! a pena de reclusão executa-se primeiro; depois, a detenção
ou prisão simples (arts. 69, caput, e 76, ambos do CP);
– influência nos pressupostos da prisão preventiva (art. 313, I, CPP).

3. REGIMES PRISIONAIS

Com a Lei n. 7029/84, são os regimes determinados pela espécie e quantidade de pena aplicada e
pela reincidência, juntamente com o mérito do condenado, obedecendo a um sistema progressivo
(retirou-se a periculosidade como um dos fatores para escolha do regime).

3.1. ESPÉCIES DE REGIMES

No regime fechado, o condenado cumpre a pena em estabelecimento de segurança máxima ou
média (penitenciária) – art. 33, §1o, a, CP – ficando sujeito a isolamento no período noturno e trabalho
no período diurno (art. 34, §1o), sendo que este trabalho será em comum dentro do estabelecimento,
de acordo com as suas aptidões, desde que compatíveis com a execução de pena (art. 34,
§2o); não pode freqüentar cursos de instrução ou profissionalizantes, admitindo-se o trabalho externo
apenas em serviços ou obras públicas (art. 34, §3o), devendo-se, porém, tomar todas as precauções
para se evitar a fuga.
Por sua vez, no regime semi-aberto, o condenado cumpre a pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar (art. 33, 1o, b, CP), ficando sujeito ao trabalho em comum durante o período
diurno (art. 35, §1o, CP), podendo ainda realizar trabalho externo, inclusive na iniciativa privada, admitindo-
se também a freqüência a cursos de instrução ou profissionalizantes (art. 35, §2o, CP).
De acordo com o art. 36, caput, CP, o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade
do condenado – isto porque ele somente ficará recolhido (em casa de albergado ou estabelecimento
adequado) durante o período noturno e os dias de folga, devendo trabalhar, freqüentar
curso ou praticar outra atividade autorizada fora do estabelecimento e sem vigilância (art. 36, §1o,
CP); se, porém, frustar os fins da execução penal ou praticar fato definido como crime doloso, haverá
regressão do regime (art. 36, §2o, CP).
Algumas linhas merecem ser ditas sobre a prisão domiciliar. Constitui uma das espécies do regime
aberto, juntamente com a prisão-albergue e a prisão em estabelecimento adequado (arts. 33, §2o, c,
do CP e 117 da LEP). Por ser uma exceção, somente é cabível nas hipóteses taxativas do referido
art. 117 (condenado maior de setenta anos ou acometido de grave doença, condenada com filho menor
ou deficiente físico ou mental ou condenada gestante), já tendo o STF se posicionado neste sentido,
não bastando, por conseguinte, a simples inexistência de casa de albergado para a sua concessão,
devendo-se, neste caso, assegurar ao preso o trabalho fora da prisão, com recolhimento noturno
e nos dias de folga.
Preceitua o art. 37, CP, ao tratar do regime especial, que as mulheres deverão cumprir a pena em
estabelecimento próprio, considerando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal e
as demais regras vistas, no que couber.

3.2. REGIME INICIAL

A fixação do regime inicial de cumprimento da pena é de competência do juiz da condenação; caberá,
todavia, ao juiz da execução a progressão/regressão do regime, devendo decidir de forma motivada.
Para se determinar qual o regime inicial, deverá o juiz levar em consideração a natureza e quantidade
da pena e a reincidência, bem como os elementos do art. 59, CP, da seguinte forma: quando os primeiros
três fatores não impuserem um regime de forma obrigatória, deverá o juiz se valer do art. 59
para decidir qual o regime mais adequado entre os possíveis.
O §2do art. 33 do CP dispõe que:
a) “o condenado a pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado” !
lógico que somente se refere à pena de reclusão, pois, como anteriormente visto, esta pode ser
cumprida em regime fechado, semi-aberto e aberto, enquanto que a detenção somente pode ser
nos dois últimos regimes, salvo necessidade de regressão, videcaput do supracitado artigo;
“o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito),
poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto” ! aplica-se apenas à reclusão, uma
vez que a pena de detenção superior a quatro anos, tratando-se de condenado reincidente ou
não, somente poderá iniciar-se no regime semi-aberto (não há uma faculdade), enquanto que a
pena de reclusão maior que quatro anos poderá iniciar-se no regime fechado ou semi-aberto, a
depender de o condenado não ser reincidente e do que os elementos do art. 59 indicarem;
b) “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o
início, cumpri-la em regime aberto” ! aplica-se às penas de reclusão e de detenção: se ele for reincidente
e a pena for de reclusão, o regime será o fechado ou semi-aberto (não necessariamente
o fechado, como entendem Celso Delmanto e Mirabete); se reincidente mas a pena for de detenção,
obrigatoriamente inicia-se no regime semi-aberto (inclusive qualquer que seja a quantidade
da pena); se não for reincidente, tratando-se de pena de reclusão, qualquer dos três regimes cabíveis
poderá ser o inicial e, se detenção, também qualquer dos dois regimes cabíveis poderá ser o
inicial – dependerá dos elementos do art. 59.
Resumindo as regras do regime inicial de cumprimento de pena, têm-se:
– detenção: somente pode iniciar em regime semi-aberto ou aberto, nunca no fechado; pena superior
a 4 anos, reincidente ou não, regime inicial terá de ser o semi-aberto; reincidente, qualquer
quantidade de pena, regime inicial semi-aberto; pena até 4 anos, não reincidente, regime semiaberto
ou aberto, a depender do art. 59.
– reclusão: pena superior a 8 anos, sempre no regime fechado; pena superior a 4 anos, reincidente,
sempre no regime fechado; pena superior a 4 anos até 8, não reincidente, regime fechado ou semi-
aberto, a depender do art. 59; pena até 4 anos, reincidente, regime fechado ou semi-aberto, a
depender do art. 59; pena até 4 anos, não reincidente, regime fechado, semi-aberto ou aberto,
também a depender do art. 59.
Em conformidade com o que dispõe o arts. 34, caput, e 35, caput, ambos do CP, no início de cumprimento
da pena, o condenado será submetido a exame criminológico de classificação e individualização
da execução, quer se trate de regime fechado ou semi-aberto. Tal exame consiste numa perícia
a ser realizada no Centro de Observação Criminológica (art. 96, LEP) ou pela Comissão Técnica
de Classificação onde aquele não existir (art. 98, LEP) a fim de se obter informações reveladoras da
personalidade do condenado – para tanto, engloba exames clínico, morfológico, neurológico, eletroencefálico,
psicológico, psiquiátrico e social. Não fica, porém, o juiz vinculado a ele, podendo decidir
de forma contrária, desde que fundamentadamente.
Quanto à obrigatoriedade de realização do exame, conforme supramencionado, o CP determina a
sua realização tanto para o condenado à prisão em regime fechado quanto semi-aberto; já a LEP
obriga para o regime fechado e faculta para o semi-aberto – isso fez com que muitos pensassem que,
tratando-se de regime inicial semi-aberto, a realização será facultativa; todavia Cezar Bitencourt defende
que deve prevalecer a norma cogente, qual seja a do CP, até mesmo para atingir o fim a que
se destina – individualização da execução – abarcando, assim, a maior quantidade de apenados possível.

3.3. PROGRESSÃO E REGRESSÃO

Pelo sistema progressivo adotado pelo CP com a Reforma de 84, permite-se ao condenado a conquista
gradual da liberdade, durante o cumprimento da pena, tendo em vista o seu comportamento,
de forma que a pena aplicada pelo juiz não será necessariamente executada em sua integralidade.
Na progressão, passa-se de um regime mais rigoroso para um menos rigoroso; na regressão, ocorre
o inverso, sendo que, neste caso, pode-se passar diretamente do regime aberto para o fechado, o
que não acontece com a progressão (do fechado tem que ir para o semi-aberto, nunca diretamente
para o aberto).
Para que ocorra a progressão de regime, é necessário o preenchimento de certos requisitos: cumprimento
de um sexto da pena no regime anterior; mérito do condenado (demonstração de que ele tem
condições de ir para um regime menos severo); exame criminológico; parecer da Comissão Técnica
de Classificação. No caso de regime aberto, deve-se atentar ainda para o art. 114 da LEP, o qual
estabelece que deve o sentenciado estar trabalhando ou ter possibilidade de vir a fazê-lo e que ele
deve apresentar sinais que façam presumir que terá autodisciplina e senso de responsabilidade.
Segundo o art. 118 da LEP, haverá a regressão de regime sempre que o apenado cometer um crime
doloso ou falta grave (art. 50, LEP) ou quando for condenado por crime anterior, cuja pena, adicionada
ao restante daquela que está sendo executada, não permitir o regime atual. Na hipótese de regime
aberto, estabelecem os arts. 36, §2o, CP e 118, §1o, LEP a regressão também se o sentenciado frustrar
os fins da pena ou se deixar de pagar a pena de multa quando podia fazê-lo. Em todos os casos,
ele deverá ser ouvido previamente, salvo quando a regressão seja conseqüência da condenação por
crime anterior.
Discute-se na doutrina e na jurisprudência sobre qual o tratamento aplicável aos crimes hediondos
quanto à progressão de regime. Preceitua o art. 2o, §1o, da Lei n. 8072/90 que a pena por tais crimes
deverá ser cumprida integralmente em regime fechado: para muitos, seria inconstitucional, pois feriria
o princípio da individualização da pena; para outros, é constitucional, uma vez que a CF atribuiria à
legislação ordinária a especificação da forma de cumprimento das penas. Reacendeu-se a discussão
com o advento da Lei n. 9455/97, a qual estabelece que a pena pelo crime de tortura deverá ser
cumprida inicialmente em regime inicial fechado – alguns entendem isto prevalece apenas para o

crime de tortura, o qual receberia um tratamento diferente por estar em lei específica; outros defendem
ser incoerente a distinção do tratamento, uma vez que a CF equipara, quanto à sua danosidade
social, os crimes hediondos, de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo (art.
5o, XLIII), daí porque deve preponderar a regra do sistema progressivo da Lei n. 9455/97 (interpretação
extensiva da lei mais benéfica), podendo ser aplicada inclusive retroativamente.

3.4. DETRAÇÃO, TRABALHO PRISIONAL E REMIÇÃO

Pela detração penal, desconta-se no tempo da pena ou medida de segurança aplicada o período de
prisão ou de internação cumprida antes da condenação. O art. 8º do CP preceitua que a pena privativa
de liberdade cumprida no estrangeiro é computada na pena privativa de liberdade a ser cumprida
no país. Dispõe o art. 42, CP, que pode ser computado o tempo da prisão provisória, no Brasil ou no
estrangeiro (prisão em flagrante, temporária, preventiva, decorrente de pronúncia e de sentença condenatória
recorrível), o de prisão administrativa (decorrente de infração disciplinar ou de infração praticada
por particular contra a Administração Pública; quanto à prisão civil, há divergências) e o de
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado.
O trabalho do preso é um direito-dever que visa a diminuir os efeitos criminógenos da prisão, com
finalidade educativa e produtiva; a ele não se sujeita o preso provisório ou por crime político, os quais,
contudo, se quiserem trabalhar, terão os mesmos direitos dos demais. A jornada diária não pode ser
inferior a seis horas ou superior a oito, com folga aos domingos e feriados; a remuneração deverá
ser, no mínimo, de três quartos do salário mínimo, assegurando-se todos os benefícios da Previdência
Social (art. 39, CP), inclusive a aposentadoria. De acordo com a LEP, a remuneração servirá para:
indenização civil determinada judicialmente; assistência à família; ressarcimento ao Estado pelas
despesas com a manutenção do apenado, proporcionalmente; o saldo restante deverá ser depositado
em caderneta de poupança.
A remição permite o abatimento de parte da pena a ser cumprida pelo trabalho realizado dentro da
prisão. Ela ocorre na forma de três dias de trabalho por um dia de pena, e é considerada tanto para
fins de livramento condicional quanto para indulto; entretanto, se o apenado for punido por falta grave,
perderá o tempo remido.

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