quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Aplicação da Pena







1. INTRODUÇÃO

A individualização da pena, como visto, é um dos direitos fundamentais previstos no art. 5º, inc. XLVI
da Carta Magna. Esta individualização passa desde a determinação da espécie de pena que vai ser
cominada e aplicada ao caso concreto, bem como ao quantum de pena necessário e suficiente à
prevenção e reprovação do crime (art. 59, CP).
A determinação da pena pode realizar-se de acordo com três sistemas básicos:
a) Sistema da absoluta determinação – sistema mais antigo, utilizado nos Código Criminal de
1830, caracteriza-se pela absoluta determinação , na qual a própria lei determina, de forma taxativa,
qual é a quantidade de pena aplicável a cada delito, de modo fixo. No Código de 1830, a pena
era fixada nos graus mínimo, médio e máximo, sendo previamente fixadas as penas de cada
um dos graus.
b) Sistema de absoluta indeterminação – é o sistema que consagra o livre-arbítrio judicial, pelo
qual se confere ao magistrado amplos poderes para decidir, dentre as penas existentes, aquela
que considerar mais adequada, na quantidade que entender mais conveniente.
c) Sistema de relativa determinação – sistema adotado no Código de 1940, repetido na Parte
geral de 1984. Por este sistema, a pena de cada crime já vem determinadas quais as espécies e
seu quantitativo vem fixado num limite mínimo e máximo, cabendo ao juiz, observando ditos limites,
fixá-la de modo discricionário.

2. CIRCUNSTÂNCIAS

Em face da garantia constitucional de individualização da pena, o juiz, para aplicar ao condenado a
pena mais adequada ao caso concreto, deve levar em todas as circunstâncias do crime, isto é, todas
as condições que se encontram ao redor do crime, alterando a resposta penal, com base na maior ou
menor gravidade da conduta, desvalor da ação ou desvalor do resultado, sem afetar o tipo fundamental.
Diferem das elementares porque estas são requisitos essenciais do tipo, enquanto que aquelas
são requisitos acidentais.
De acordo com a sua natureza, podem ser classificadas em pessoais ou subjetivas (exs.: menoridade,
reincidência, antecedentes, motivos, sexo, profissão, etc.) e objetivas (exs.: modo de execução,
objeto material, características da vítima, etc.). As circunstâncias de caráter pessoal não se comunicam
no concurso de pessoas, salvo quando elementares do crime, enquanto as objetivas comunicam-
se a todos os concorrentes, desde que entrem na esfera de seu conhecimento.
Quanto à função modificativa, as circunstâncias podem ser classificadas também em:
a) circunstâncias que aumentam o mínimo e o máximo da pena em abstrato ! são as qualificadoras
(tipos qualificados), consideradas na 1fase – ex: art. 121, §2o;
b) circunstâncias que agravam ou atenuam a pena sem determinação de quantidade ! o juiz, ao
considerá-las, deve observar os limites da pena em abstrato. Subdividem-se em judiciais (art. 59)
e legais (agravantes e atenuantes – arts. 61 a 66);
c) causas de aumento e de diminuição ! autorizam a alteração da pena com base em valores fixos
ou variáveis; são as majorantes e minorantes. Vêm sob a forma de fração, distinguindo-se das
qualificadoras porque não modificam os limites da pena em abstrato, mas permitem que o juiz fixe
a pena concreta aquém ou além de tais limites (para Cezar Bitencourt, não podem ir além), podendo
vir na Parte Geral (exs.: arts. 14, II, e 16) e na Especial do CP (exs.: art. 121, §4o, 127),
sendo que os tipos que contêm causas de aumento são chamados de tipos agravados, e os que
contêm causas de diminuição, de tipos privilegiados.

3. DOSIMETRIA

É feita pelo sistema trifásico preconizado por Hungria, em oposição ao sistema bifásico de RobertoLyra – art. 68.

3.1. 1FASE

Para o cálculo da pena-base, levam-se em conta as circunstâncias judiciais do art. 59, sendo que, se
alguma delas for agravante, atenuante, causa de aumento ou de diminuição, deve ser considerada
nas operações seguintes para que não haja o bis in idem; e se o juiz verifica a existência de mais de
uma qualificadora, deve se utilizar de apenas uma delas e considerar a(s) outra(s) nas fases seguintes,
se previstas. A pena-base não pode ser nem superior ao máximo nem inferior ao mínimo (art. 59,
II); na jurisprudência, entende-se que, como na 2fase a elevação é de 1/6 para cada circunstância
legal agravante, as circunstâncias judiciais só autorizariam um aumento de até 1/6 do mínimo da pena
abstrata.
São circunstâncias judiciais:
– culpabilidade ! verificada não como fundamento da pena, mas como seu limite, o grau de reprovação
da conduta. É a viga mestra das circunstâncias judiciais;
– antecedentes ! constituem os fatos abonadores e desabonadores da sua vida pregressa – inquéritos
instaurados, processos em curso, etc. A reincidência não pode ser considerada como antecedente,
porque é circunstância agravante. No entanto, a condenação por crime anterior após o
prazo depurador de 5 anos da reincidência pode ser considerada como agravante;
– conduta social ! como o sujeito age em seu meio familiar, profissional;
– personalidade ! perfil psicológico e moral do sujeito;
– motivos do crime ! fatores que levaram o sujeito a cometer o crime, isto é, o “porquê” do crime
(religião, amor, ódio, etc.);
– circunstâncias do crime ! relaciona-se com o modo de execução (instrumentos do crime, tempo,
local, objeto material, etc.);
– conseqüências do crime ! intensidade da lesão produzida no bem jurídico tutelado;
– comportamento da vítima ! relaciona-se com a vitimologia, como a conduta da vítima pode influenciar
ou não a prática do crime, se o comportamento da vítima provocou ou facilitou o crime.

3.2. 2FASE

Para o cálculo da pena provisória, levam-se em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes
genéricas, sendo que o juiz não poderá ir além ou aquém dos limites estabelecidos pelo legislador ao
cominar a pena (para alguns, não haveria impedimento legal a que a incidência de uma atenuante
levasse a pena-base para aquém do mínimo cominado ao tipo – neste sentido, Luiz Regis Prado).
Ainda, no concurso entre agravantes e atenuantes, dispõe o art. 67 que a pena deve se aproximar do
limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, como tais entendendo-se as que resultam dos
motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.
As agravantes estão no art. 61, e sempre incidem, salvo quando constituam ou qualifiquem o crime,
quando coincidam com uma causa de aumento ou quando isentem de pena:
a) reincidência: diz o art. 63 que o agente é considerado reincidente se, após ser condenado
por um crime por sentença transitada em julgado, no país ou no exterior, comete novo crime;
seus efeitos não perdurarão após o prazo de 5 anos a partir da data de cumprimento ou extinção
da pena, computando-se o período de prova do sursis e do livramento condicional, se
não tiver ocorrido revogação (art. 64, I) e não sendo considerados os crimes políticos e os
militares próprios (art. 64, II). De se salientar que o art. 7da LCP complementa o conceito de
reincidência ao estabelecer que ela também se dá se o agente comete nova contravenção
após o trânsito em julgado da sentença condenatória no estrangeiro por qualquer crime ou no
Brasil por crime ou contravenção; é provada pela certidão judicial do trânsito em julgado da
sentença condenatória;
b) ter o agente cometido o crime:
– por motivo fútil ou torpe ! fútil é o motivo insignificante, que guarde desproporção com
o crime praticado; torpe é o motivo vil, abjeto, que demonstra grau extremo de insensibilidade
moral do agente;
– para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro crime ! tem-se aí uma conexão, que pode ser de dois tipos: teleológica (para facilitar ou assegurar a execução de outro crime) ou conseqüencial (o crime é praticado para
garantir a ocultação, impunidade ou vantagem de outro);
– à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou
ou tornou impossível a defesa do ofendido ! relativo à forma de realização do crime.
Na traição ocorre uma deslealdade; a emboscada se dá quando o agente se esconde para
atacar a vítima de surpresa (tocaia); a dissimulação é a utilização de artifícios para se aproximar
da vítima, encobrindo seus desígnios reais; por fim, o legislador usou uma fórmula
genérica (outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido),
permitindo a interpretação analógica ou extensiva;
– com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel,
ou de que podia resultar perigo comum ! relativo ao meio. O legislador escolheu alguns
meios como paradigma, utilizando, em seguida, a expressão que possibilita a interpretação
extensiva. Meio insidioso é "aquele dissimulado em sua eficiência maléfica" (Luiz
Regis Prado, Damásio); meio cruel é o que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima ou
revele uma brutalidade anormal; perigo comum é o provocado por uma conduta que expõe
a risco a vida ou o patrimônio de um número indefinido de pessoas;
– contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge ! revela uma maior insensibilidade
do agente; aplica-se a qualquer forma de parentesco (legítimo ou ilegítimo, consangüíneo
ou civil); não incide quando a relação de parentesco for elementar do crime, como no
caso do infanticídio e não se estende ao concubino pela proibição da analogia in malam
partem. Segundo Damásio, também não se estenderia ao filho adotado;
– com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação
ou de hospitalidade ! funda-se na quebra de confiança que a vítima tinha no agente;
o abuso de autoridade se dá "quando o agente excede ou faz uso ilegítimo do poder de
fiscalização, assistência, instrução, educação ou custódia derivado de relações familiares,
de tutela, de curatela ou mesmo de hierarquia eclesiástica" (Regis Prado), referindo-se
somente às relações privadas, pois, quanto às públicas, existe lei especial; relações domésticas
são as que se estabelecem entre pessoas de uma mesma família, freqüentadores
habituais da casa, amigos, criados, etc.; relação de coabitação é a que se dá quando
duas ou mais pessoas vivem sob o mesmo teto; por fim, a relação de hospitalidade ocorre
quando a vítima recebe o agente para permanência em sua casa por certo período (visita,
pernoite, convite para uma refeição, etc.);
– com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão
! nos primeiros casos, ao praticar o crime, o funcionário que exerce o cargo ou ofício
infringe os deveres inerentes a eles (fora as hipóteses da Lei n. 4898/65); ministério
relaciona-se com atividades religiosas; profissão é a "atividade especializada, remunerada,
intelectual ou técnica" (Regis Prado);
– contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida ! funda-se na maior vulnerabilidade
destas pessoas; criança, segundo o ECA, é a pessoa com até 12 anos incompletos; velho
é a pessoa com mais de 70 anos ou que esteja com sua situação física prejudicada pela
sua condição específica; enferma é a pessoa doente sem condições de se defender;
quanto a mulher grávida, foi introduzida pela Lei n. 9318/96;
– quando o ofendido estava sob a imediata proteção de autoridade! baseia-se no
desrespeito à autoridade, sendo exemplos desse tipo de vítima o preso ou o doente mental
recolhido a estabelecimento oficial;
– em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou
de desgraça particular do ofendido ! aqui o agente deve se aproveitar de modo consciente
e voluntário da situação calamitosa para dificultar a defesa da vítima ou par facilitar
a sua impunidade;
– em estado de embriaguez preordenada ! aqui o agente se embriaga propositadamente
para cometer crimes, sendo este realmente o campo de atuação da teoria da actio libera in
causa.
Há discussão sobre se as agravantes do inciso II do art. 61 do CP seriam aplicadas somente aos
crimes dolosos ou a todos os crimes, já que a lei não faz distinção.
O art. 62, CP relaciona as agravantes no concurso de pessoas, quando o agente:
a) promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes !
atinge aquele que promove a união do grupo, ou é o seu líder, ou ainda atua como mentor
intelectual do crime;
b) coage ou induz outrem à execução material do crime ! a 1aparte trata da coação, que pode
ser moral ou física, resistível ou irresistível, sendo que o coator responderá pelo crime praticado
pelo executor direto (com a pena agravada) e mais o constrangimento ilegal, ou se for o caso, o
crime do art. 1o,I, b, da Lei n. 9455/97; a 2parte fala daquele que insinua, inspira outrem a praticar
o crime;
c) instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em
virtude de condição ou qualidade pessoal ! instigar é reforçar uma idéia delituosa já existente;
determinar é mandar, ordenar; o executor deve estar sujeito à autoridade do agente ou não
ser punível por alguma qualidade pessoal (menoridade, doença mental, etc.);
d) executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa ! a paga é
anterior ao crime; a recompensa é posterior a ele.
Por fim, os arts. 65 e 66, CP, tratam das circunstâncias atenuantes; o art. 65 estabelece um rol, saber:
a) ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou 70 (setenta) anos, na data da
sentença ! refere-se à sentença de 1grau; a menoridade para efeitos penais prevalece ainda
que já tenha havido emancipação;
b) o desconhecimento da lei ! apesar de inescusável e não isentar de pena (art. 21), a ignorantia
legis serve para atenuá-la;
c) ter o agente:
– cometido o crime por motivo de relevante valor moral ou social ! valor moral relacionase
com um interesse individual que encontra certo respaldo na sociedade (ex: matar o estuprador
da filha); já o valor social refere-se a um interesse coletivo (ex: invadir o domicílio de
um traidor da Pátria);
procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe
ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano ! na 1a
parte, trata-se de um arrependimento em que o agente, após a consumação, consegue evitar
ou minorar as conseqüências, o que não se confunde com o arrependimento eficaz (art. 15),
o qual exige que o agente impeça a produção do resultado, nem com o arrependimento posterior
(art. 16), que incide antes do recebimento da inicial acusatória em crimes cometidos
sem violência ou grave ameaça a pessoa; na 2parte, o agente deverá ter reparado o dano
até a sentença de 1grau;
– cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade
superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima ! a coação, moral ou física, tem que ser resistível, pois, se irresistível, excluirá a própria
conduta quando física, ou a culpabilidade quando moral (art. 22, 1parte); a ordem de
autoridade superior a ser cumprida deve ser manifestamente ilegal, porque, não o sendo, excluirá
a culpabilidade (art. 22, 2parte); apesar de a emoção e a paixão não excluírem a imputabilidade
(art. 28, I), reduz-se a pena em caso de influência de violenta emoção provocada
por ato injusto da vítima, sendo que, se for uma agressão injusta, poderá haver legítima defesa,
e, ainda, deve-se diferenciar esta atenuante da hipótese de homicídio privilegiado que se
configura quando o sujeito atua sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação
da vítima;
– confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime ! a confissão
aqui deve ter sido espontânea, a demonstrar um arrependimento, p.ex., não incidindo ainda
se o agente confessa o crime durante o inquérito e, depois, se retrata em juízo;
– cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou ! o agente
deve ter cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto e não pode ter provocado
este último – ex: brigas com grande número de pessoas.
Quanto ao art. 66, traz uma atenuante inominada, que deve ser levada em consideração sempre que
o juiz entenda haver uma circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, ainda que não prevista
em lei.

3.3. 3FASE

Para o cálculo da pena definitiva, são consideradas as causas de aumento e de diminuição previstas
na Parte Geral e na Parte Especial do CP, tais como tentativa (art. 14, II), arrependimento posterior
(art. 16), homicídio privilegiado (art. 121, §1o), furto noturno (art. 155, §1o), etc. Conforme já visto,
prevêem um quantum de exasperação ou de redução de pena, diferenciando-se das agravantes e
atenuantes, podendo a pena definitiva ficar além ou aquém da pena cominada ao tipo. Alguns princípios
devem ser observados:
– no concurso de majorantes ou de minorantes previstas na Parte Especial, poderá o juiz limitar-se a
um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, porém, a causa que mais aumente ou diminua
(art. 68, parágrafo único);
– as majorantes devem incidir em primeiro lugar e separadamente, enquanto as minorantes incidem
cumulativa e posteriormente (posição de Regis Prado; para Bitencourt, todas incidem cumulativamente);
– as regras do concurso material, formal e crime continuado são as últimas operações a serem feitas.
Estabelecida a pena definitiva, terá o de juiz determinar o regime inicial de cumprimento da pena privativa
de liberdade; por fim, deverá analisar se é caso de substituição da pena (art. 59, IV) ou de suspensão
de sua execução (art. 157 da LEP), devendo motivar em qualquer hipótese.
Não confundir causa de aumento e de diminuição com qualificadora. Nesta, há uma nova cominação
no mínimo e no máximo em relação ao crime simples, e os novos limites mínimo e máximo fixados
pela qualificadora servirão como parâmetro desde as circunstâncias judiciais. As causas de aumento
são previstas em fração 9um terço, um sexto, metade), e são aplicadas na terceira fase de aplicação
da pena.

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