Tocqueville nasceu em
Paris, em 29 de julho de 1805 e morreu em Cannes, a 16 de abril de 1859. Viveu,
portanto, o período mais atribulado da História francesa durante o século XIX.
Ele nasceu pouco tempo após o Terror da Revolução Francesa (sobre a qual
escreveria uma obra clássica). A infância transcorreu sob as vicissitudes de
Napoleão. Assistiu à restauração da monarquia sob Luís XVIII e Carlos X (a quem
seu pai serviu) e à sua subseqüente derrubada por Luís-Felipe. A seguir veio a
Revolução de 1848 e a Segunda República com Luís-Napoleão presidente. Este, por
seu turno, em 1851 promoveu um golpe de Estado e se fez Napoleão III.
Este pano de fundo é importante para compreender
Tocqueville. Nascido numa ilustre família, descendente de um irmão de Santa
Joana D’Arc, parente de Chateaubriand e bisneto do estadista Chrétien de
Malesherbes (conselheiro de Luís XV e XVI), tendo, portanto, vínculos com o
Ancien Regime, foi obrigado, em mais de uma ocasião, a deixar a França. Em
1831, por exemplo, devido a problemas pessoais que a derrubada dos Bourbons lhe
causava, empreendeu uma viagem aos Estados Unidos cujo resultado o tornaria
célebre.
A viagem aos EUA
O pretexto para deixar a França foi o de realizar um estudo
sobre o sistema penitenciário norte-americano. Passou nove meses fazendo
leituras, observações e, sobretudo, conversando com eminentes membros da
sociedade americana. Quando retornou à França, publicou, com seu companheiro de
viagem Gustave de Beaumont, a obra Sobre o sistema penitenciário nos Estados
Unidos e a sua aplicação na França. Mas foi o livro Da Democracia na América,
cuja primeira parte foi publicada em 1835 e a segunda em 1840, que o consagrou
como cientista político. Foram-lhe abertas as portas das mais prestigiadas
instituições, entre as quais a Academia Francesa (1841).
A democracia americana
A obra Da Democracia na América é uma análise que mantém
extraordinário interesse e atualidade. Graças à influência do historiador
François Guizot e de estudos sobre a história inglesa, Tocqueville desenvolveu
uma aguda perspectiva que emerge fortemente no seu livro sobre a democracia
americana. Praticamente não houve aspecto da vida política dos Estados Unidos
que não merecesse uma análise exata. Por exemplo, ao interpretar o "Poder
Judiciário nos Estados Unidos e sua influência sobre a sociedade
política", Tocqueville afirma que ‘não há, por assim dizer, ocorrência
política na qual não se invoque a autoridade do juiz. De onde se conclui,
naturalmente, que nos Estados Unidos o juiz é uma das primeiras forças
políticas... Aos olhos do observador, o magistrado dá a impressão de jamais se
imiscuir nos negócios públicos a não ser por acaso; só que esse acaso acontece
todos os dias’.
Em pleno século XXI esta afirmativa mantém-se plenamente
válida. Basta lembrar o conflito eleitoral Bush x Gore, resolvido na Suprema
Corte. Aliás, mesmo depois do problema surgido no colégio eleitoral da Flórida,
os legisladores americanos não se preocuparam em mudar as regras do jogo
eleitoral, aceitando-as como originalmente concebidas. Assim, no pleito de 2004
será perfeitamente possível que o candidato eleito seja o que fizer menos votos
populares, mas obtiver a maioria no colégio eleitoral que de fato irá escolher
o próximo Presidente.
A escravidão nos EUA
Outro capítulo de grande interesse no Da Democracia na
América refere-se à escravidão. Algumas passagens são clássicas e até premonitórias.
Como ao comentar que o ‘negro situa-se nos limites extremos da servidão; o
índio, nos limites extremos da liberdade. O negro perdeu até a propriedade de
sua pessoa e não poderia dispor da própria existência sem cometer uma espécie
de roubo; o selvagem está entregue a si mesmo, desde que possa agir... o negro
gostaria de confundir-se com o europeu, e não o pode. O índio, até certo ponto,
poderia consegui-lo, mas desdenha da idéia de tentá-lo. O servilismo de um
entrega-o à escravidão, e o orgulho do outro à morte’.
Diante desse quadro, viu Tocqueville, na questão da
escravidão, a maior ameaça à democracia americana. Nos estados em que ela já
fora abolida, Tocqueville ainda identificava graves problemas ante a
necessidade de superaração de três preconceitos ‘bem mais intangíveis e tenazes
do que [a escravidão]: o preconceito do senhor, o preconceito de raça e, por
fim, o preconceito do branco. Assim, o negro é livre, mas não pode partilhar
dos direitos, nem dos prazeres, nem das formas de trabalho, nem das dores e nem
mesmo da sepultura daquele de quem foi declarado igual. Com este não poderá
ombrear-se em parte alguma, nem na vida nem na morte’.
Transcorreria mais de um século até que a chaga da
escravidão começasse a cicatrizar no tecido social norte-americano. Tocqueville
ainda previu que a abolição no sul dos Estados Unidos ‘fará crescer a
repugnância que a população branca sente ali pelos negros’.
Na segunda parte da obra Da Democracia na América,
Tocqueville trata da sua influência sobre diferentes aspectos: no movimento
intelectual; nos sentimentos dos americanos; sobre os costumes e sobre a
sociedade política. Essa percepção obtida em 1831 justifica toda a fama
granjeada por Tocqueville, ainda na juventude. No Brasil, na mesma época,
apesar da consolidação da independência, a monarquia ainda periclitava. A
escravidão era um tema que estava a meio século de ser revisto.
A Revolução Francesa
A última obra de Tocqueville - O Antigo Regime e a Revolução
Francesa, de 1856 - é considerada pelos críticos a melhor análise sobre a
Revolução em
França. Tocqueville começa essa obra estudando as
características da sociedade francesa no período que antecedeu a Revolução e se
propõe a responder a uma série de questões nos dois terços finais do livro, que
foram publicados postumamente. Entre elas, se destacam:
· porque
o feudalismo se tornou mais detestado na França do que em qualquer outro país;
· porque
um governo paternalista, como é chamado hoje, foi praticado sob o ancien
regime;
· como
a França se tornou o país no qual os homens mais se parecem uns com os outros;
· como
o sentimento anti-religioso se espalhou e ganhou força na França do século
XVIII e a sua influência na natureza da Revolução;
· e
como mudanças revolucionárias no sistema administrativo precederam a revolução
política e suas conseqüências.
A pobreza
Como se vê, Tocqueville incursionou pela Sociologia com
desenvoltura e, nesse aspecto, vale também mencionar uma terceira obra – ainda
que menos conhecida – publicada em 1835 sob o título Ensaio sobre a
pobreza. Trata-se de um ensaio curto e denso sobre os paradoxos da pobreza na
Europa, especialmente na Inglaterra. Na verdade, Tocqueville empreendeu mais de
uma viagem à Grã Bretanha, vindo a contrair núpcias com uma inglesa. A recente
edição brasileira do Ensaio sobre a pobreza vem enriquecida por uma
apresentação feita pelo Embaixador Meira Penna e dos seguintes comentários:
"Lições de economia por Tocqueville (por André Andrade); "Da época de
Tocqueville à era da globalização: a questão da persistência da miséria"
(por Mário Guerreiro); "Origens das preocupações de Alexis de Tocqueville
com a temática da pobreza" e "Os aspectos intelectual e político da
ética pública em Alexis de Tocqueville" (por Ricardo Vélez Rodrigues); e
"Tocqueville e o mundo da Revolução Industrial" (por Arno Wehling).
Tocqueville faleceu no sul da França, em 1859, cercado por
sua esposa e duas filhas religiosas, no auge da fama e reconhecimento
(inclusive na Inglaterra, onde em 1857 fora recebido em audiência pública pelo
Príncipe Alberto). Consta que ele teria se afastado do catolicismo ainda na
juventude, mas que no final da vida reatara seus laços com a Igreja.
Bibliografia
(B= biblioteca do IL; V= à venda no IL)
i- Sobre o sistema penitenciário nos Estados Unidos e a sua
aplicação na França
ii- Da Democracia na América. Porto: Sés, [s.d.]. 278p. (B)
iii- O Antigo Regime e a Revolução Francesa
iv- Ensaio sobre a pobreza: estudos sobre os paradoxos da pobreza e da desigualdade em paísesem desenvolvimento. Rio de Janeiro: UniverCidade,
2003. 203p. (B) – (V)
ii- Da Democracia na América. Porto: Sés, [s.d.]. 278p. (B)
iii- O Antigo Regime e a Revolução Francesa
iv- Ensaio sobre a pobreza: estudos sobre os paradoxos da pobreza e da desigualdade em países
- Correspondencia. México: Fondo de Cultura Economica, 1985.
145p. (B)
- De la democratie en Amérique. Paris: Ed. Robert Laffont, 1986. 1178p. (B)
- La democracia en América. Madrid: Alianza Editorial, 1985. 2v. (B)
- El antiguo régimen y la revolución. Madrid: Alianza Editorial, 1982. 2v. (B)
- Igualdade social e liberdade política. São Paulo: Nerman, 1988. 199p. (B)
- La democracia en América. Madrid: Alianza Editorial, 1985. 2v. (B)
- O antigo regime e a revolução. Brasília: Ed. UnB, 1989. 212p. (B)
- De la democratie en Amérique. Paris: Ed. Robert Laffont, 1986. 1178p. (B)
- La democracia en América. Madrid: Alianza Editorial, 1985. 2v. (B)
- El antiguo régimen y la revolución. Madrid: Alianza Editorial, 1982. 2v. (B)
- Igualdade social e liberdade política. São Paulo: Nerman, 1988. 199p. (B)
- La democracia en América. Madrid: Alianza Editorial, 1985. 2v. (B)
- O antigo regime e a revolução. Brasília: Ed. UnB, 1989. 212p. (B)